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trajetória

"Quando eu era pequena pensava que de um momento para o outro eu cairia para fora do mundo. Não passava de um coração solitário pulsando na relação com o espaço e tempo. Assim começa a dança dentro de mim."

"Após muitos anos imersa na linguagem do balé clássico, e apenas dançando com base em técnicas estruturadas de movimento, em 1996, ao entrar em contato com Ivaldo Bertazzo, em São Paulo,comecei a compreender o que era de fato uma pesquisa de movimento. Passei a ter conhecimento sobre fisiologia, anatomia, lesões corporais e tensões musculares na dança e, após 10 anos ao lado de Ivaldo, pude compreender como o balé clássico, que eu dançava, adoecia o meu corpo. Nesse momento da minha vida eu já estava  frustrada na relação com o balé, e dançar perdia um importante sentido para mim. Resolvi me aprofundar nessa abordagem de percepção do próprio corpo e do gesto e, em 2006, passei a dar assistência nas aulas de Mônica Monteiro na Sala Cristantempo, por seis anos, e fui construindo uma visão mais consciente do lugar da dança no meu corpo, para além da técnica.

De 2007 até 2013, com Beth Bastos, passei a entender o meu corpo na relação com técnicas de improvisação em dança e também com o balé clássico, num novo lugar. Tendo Beth como diretora, pude experimentar o espaço do risco de improvisar em cena e, como resultado desenvolvemos os seguintes trabalhos:  'Pequenos Solos' (2010) - na Sala Crisantempo , 'Before your eyes (2010) também na Sala Crisantempo e 'Pequenos Humores' no SESC Pinheiros (2011). Também em 2007, através de Ivaldo Bertazzo, conheci Zélia Monteiro, minha mestra de balé, com quem também pude adentrar em pesquisas de técnicas de improviso pautadas nos estudos de Klauss Vianna. Em 2016 passei a integrar o CEB - Centro de Estudos do Balé, dirigido por Zélia Monteiro, uma organização que ajuda a pensar o que é o balé clássico nos tempos de hoje em corpos brasileiros, com objetivo de decolonializar o balé, traduzindo, ressignificando e também questionando a necessidade de se ensinar o balé clássico nos dias de hoje. Criamos então o projeto Balé na Vila, no qual sou coordenadora psicopedagógica, pois também tenho um bacharelado em Psicologia (2001 - pela Universidade Paulista - SP). O projeto Balé na Vila (2018), que prioriza o ensino do balé de maneira integral, possibilitando aos alunos a descoberta de seus próprios modos de organização do movimento, considerando a espontaneidade do gesto.  

Minha primeira imersão na dança butoh aconteceu no Brasil, em 2009, quando conheci Tadashi Endo.

"Em 1997, quando vi Kazuo Ohno dançar ao vivo, imediatamente reconheci dentro de mim um desejo profundo de mergulhar neste universo de gestos sem forma, de pura poesia vital em movimento."

Mais de dez anos depois de ter visto Ohno em cena, conheci Tadashi Endo, que veio para o Brasil em 2010. Passei a estudar com Endo aqui no Brasil e também em seu estúdio MAMU BUTOH DANCE CENTRE, em Gottingen. Foram 10 anos de pesquisa, finalizando com o espetáculo Ha-Do (Gottingen - Alemanha), sob sua direção. Dentro desses quase 10 anos conheci também o trabalho de Ko Murobushi e Yoshito Ohno, com os quais fiz workshops pontuais. E entre os pesquisadores brasileiros do universo do Butoh, passei a fazer aulas regulares até hoje com Key Sawao e workshops intensivos com Toshi Tanaka, com o qual, dentro da prática do Do-Ho, conduzida por ele, pude aprofundar uma compreensão fundamental na experiência do corpo para a dança butoh.

Quando encerrei meu ciclo com Tadashi Endo, me deparei com a potência das mulheres performers no universo do Butô. Conheci o trabalho de Minako Seki e Yumiko Yoshioka. Fiz workshops pontuais com Yumiko e, com Minako Seki estudo extensivamente desde 2018. Fiz diversos intensivos presenciais, aulas online e residências artísticas (Espanha, Alemanha e online). Sigo estudando com ela até os dias de hoje e, além de ser uma mestra de dança para meu trabalho, é também uma artista colaboradora da minha pesquisa com a dança Yugen, além de ter se tornado uma grande amiga no meu caminho de vida.

 

Para a dança Yugen, ou Yugen Butoh, considero também, de forma significativa, a influência do trabalho de Zélia Monteiro e Toshi Tanaka. Nas aulas de Toshi, por exemplo, fui introduzida ao conceito de Shibumi, como:

 

uma tranquilidade espiritual que não é passiva; algo que não se conquista; que ultrapassa o conhecimento para alcançar a simplicidade.

 

E curiosamente, foi durante as aulas de improviso da Zélia que pude compreender, no meu corpo, o significado dessa palavra. E é dentro dessas intersecções fluidas entre diversos olhares para a movimento, sejam eles do universo do Butoh, do balé, do Do-Ho, que vive o meu trabalho com a dança Yugen, não como alguma proposta de qualquer cristalização técnica, mas como uma inquietação sobre o que é o corpo que dança na contemporaneidade, e como a performance em  movimento pode explorar uma relação de muita intimidade com o próprio corpo, para então poder se radicalizar, se apropriar de si e ao mesmo tempo desapegar-se."

 

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DIREÇÃO, PESQUISA DE MOVIMENTO, PROVOCAÇÃO ARTÍSTICA, ENSINO

 

pensamento de corpo

Quando penso num corpo em diálogo, através de gestos, movimentos, afetos, sons e palavras, me apoio naquilo diz respeito tanto à experiência individual e única de cada corpo, como também nas impressões coletivas, sociais e transgeracionais que coexistem e habitam, superficialmente e intimamente, todas as nossas estruturas, tudo aquilo que nos torna o “corpo de hoje” . A abordagem que pesquiso acerca da dança caminha por um lugar de expressividade que acontece de dentro para fora, na qual o movimento é produzido a partir de uma conversa íntima com o corpo subjetivo e objetivo-anatômico.

A forma como trabalho a pesquisa de movimento leva em consideração que, assim como num trabalho de autoconhecimento, existe também no dançar  um conjunto de espaços obscuros por trás das escolhas conscientes e intencionais que desencadeiam movimentos. E esses espaços por trás das coisas conscientemente reveladas, carregam potência, transformação. Em pesquisas de movimento  procuro sensibilizar, utilizando técnicas somáticas, um lugar de escuta para que essas "sombras", quando se manifestarem, possam se sentir acolhidas e convidadas a dançarem junto com o performer.

E, apesar de não se tratar de arte-terapia, dentro dessa pesquisa de luz e sombra, prezo por um senso de responsabilidade na relação com o meu próprio corpo e com o corpo do outro, compreendendo que cada dançarino tem a sua particularidade biomecânica, com seus limites e extensões expressivas, sem deixar de considerar que cada dança é feita por um corpo emocional que guarda histórias, memórias e feridas.

Por esse motivo, acredito piamente na delicadeza ao abordar o corpo sensível, independentemente da brutalidade ou radicalidade da proposta. Assim como percebo a relevância da consciência de si quando se está em performance, tanto no aspecto físico quanto emocional. Pois mesmo numa experiência performática intensa, suscetível ao encontro de sombras e abismos desconhecidos, vejo, nesse caso,  o pensamento de corpo como um jogo vivo de constante negociação consigo mesmo e com todos os contornos do corpo.

 

 

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Foto: Ligia Jardim

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