Yugen Butoh é um estudo de pesquisa de movimento da bailarina, diretora e coreógrafa Luciana Elias. A dança Yugen ou Yugen Butoh é o nome que a artista concebeu para designar essa pesquisa de movimento enquanto diretora, professora e performer.
Fotos: Jona Lourenço
"Considero a dança Yugen, ou Yugen Butoh como um possível caminho para a poesia do gesto, uma dança que abraça aquilo que é efêmero por meio da simplicidade e consciência na relação com o corpo e o potencial expressivo de cada um"
Yugen é uma palavra de origem japonesa que se traduz em um dos seus possíveis significados como: aquilo que é efêmero. A intenção dessa dança é abrir um espaço de investigação em que o foco vai para além do gesto, o que importa é aquilo que fica: um aroma, um sabor, uma memória, seja dentro da experiência do dançarino ou para o próprio espectador no seu espaço de fabulação. A dança yugen é uma vivência integral que considera corpo e psique como indissociáveis, entendendo o corpo que dança como um corpo permeado de afetos, memórias e defesas. Uma passagem, uma lembrança, algo que nasce e morre, a partir de um corpo em movimento que se apropria de si e caminha, lúcido, pelos limiares do próprio ego e do inconsciente, para assim ruir, transgredir, metamorfosear-se. E ao mesmo tempo podendo, por vezes, ser a mera expressão de uma simplicidade elegante e elementar, que surge quase como se descobrisse a si mesma, mas que logo se esvai.
SOBRE BUTOH
A dança Butô, criada por Hijikata Tatsumi em meados de 1960 no Japão, surge como um movimento de vanguarda em um contexto político conturbado. Diante de uma relação tensa e contraditória com os EUA, pós Segunda Guerra Mundial, e com a iminente ascensão do iluminismo racionalista ao redor do mundo, surge uma crise de identidade no Japão da década de 60. Nessa conjuntura, emergem diversos movimentos artísticos e manifestações populares com uma certa força de resistência no cenário cultural japonês. E É dentro desse momento social e político que surge a dança Butô, de Hijikata Tatsumi, em colaboração com Kazuo Ohno.
Para Éden Peretta (2015, p. 96): "...O seu projeto absorvia a marginalidade obscura repudiada pelas estruturas de poder para contrapor-se aos paradigmas de um coletivo social conservador japonês, que se manifestava em diferentes esferas. Esse projeto foi constituído sobre uma vasta abertura para o corpo humano - com uma capacidade de transformá-lo radicalmente - e imerso, ao mesmo tempo, em uma íntima relação com a morte. Hijikata identificava na propriedade fundadora da relação entre dança e morte a explicação para o seu entendimento da forma originária e perfeita da dança, inspirando-se na frase de Sartre: 'um criminoso com as mãos atadas, agora de pé sobre o cadafalso, ainda não está morto. Apenas um instante está faltando para a morte, aquele instante de vida em que deseja intensamente a morte'.
O Ankoku Butoh, nome original da dança de Hijikata, também foi conhecido como Dança das Trevas ou Dança da Morte. A sua dança tinha uma conexão forte com a morte e com o próprio existir, em toda a fragilidade e potência da própria condição humana e dos fenômenos da natureza. Diante das diversas inquietações ao redor do corpo que foram deixadas por Hijikata, a dança Yugen Butoh faz um recorte de pesquisa e parte do entendimento da morte e da vida como lugares de passagem, transição e metamorfose.
"O condenado à morte que é obrigado a andar para a guilhotina é um ser que já está morto, apegando-se à vida até o fim. [...] O homem que não anda mais, mas se faz andar, o homem que não está morto, mas se faz morrer… Nessa passividade perfeita, apesar de tudo, deve aparecer paradoxalmente, uma vitalidade original da natureza humana." (Hijikata Tatsumi pensar um corpo esgotado, Uno Kuniichi, 2017 p. 190)
"Eu me lembro de estar diante da morte em minha infância, em Garanhuns, Pernambuco. Tenho a imagem da minha família reunida ao redor de minha bisavó, que estava deitada e consciente de que morreria. Houve um breve momento em que ela respirou fundo e de repente se foi. Simples assim.
Essa lembrança de minha bisa morrendo “como um passarinho” envolta de pessoas testemunhando aquele acontecimento tão elementar, e certamente poético, acabou deixando um forte rastro dentro de mim. E esse sopro da efemeridade do tempo, a memória de quando presenciei essa morte, de algum modo, acaba sempre sendo convidada a dançar comigo uma 'dança yugen'"